SAUDAMOS ÈṢÙ SENHOR DA COMUNICAÇÃO.
- O pensamento yorùbá sobre a pessoa é de uma riqueza imensa, espelhando a complexidade da cosmovisão e antropologia africanas. Apesar da dimensão coletivista do pensamento, baseada na ideia de que o sujeito não é mais importante do que a comunidade – e é nela que realiza a plenitude da sua existência, desde o nascimento, em que a criança integra a família e a sua uma linhagem com uma história, teias relações e práticas religiosas do núcleo familiar, e senso de hierarquia e respeito, até à idade adulta, em que adquire papéis sociais, senso de dever e participação na vida coletiva, até à ancianidade, quando se torna uma figura de respeito social que pode ir além do núcleo familiar, culminando com a sua morte – existe uma dimensão profundamente individual, expressa no corpo como manifestação de uma visão integradora do sujeito e a vivência espiritual-religiosa.
- Na cosmovisão integradora yorùbá, o elemento central da existência é o Orí, a cabeça. Este entendimento é percetível, sabendo que na cabeça temos o cérebro a comandar os sentidos, emoções, razão, personalidade. Cheiramos, vemos, ouvimos, sentimos o paladar. Nela está a boca (ẹnú), com a qual comemos, mas também por onde se pronunciam votos, bênçãos, encantamentos, desejos, bons e maus.
- Ora, o Orí, a cabeça, detém uma dupla dimensão: ela é física, é material, presa ao corpo (àrá), e ela é imaterial (orí nìnú), espiritual, compondo a personalidade e o destino. A cabeça física torna-se, então, a vasilha que acolhe o orí espiritual, aquele que é o cerne da nossa identidade, personalidade e espiritualidade, e até do nosso destino.
- A representação do orí como uma cesta (igbá Orí), com tampa talhada, expressa bem a complexidade que é a cosmovisão yorùbá, mas também a subtileza do ser-sujeito. Tal como um cesto, feito para colocar coisas dentro, coisas boas, ricas, nutritivas, assim é a cabeça, onde devemos colocar pensamentos e emoções positivas, conhecimento, sabedoria, paz. Tal como o igbá orí precisa ser cuidado para não perder os seus elementos, assim deve ser a cabeça imaterial, nutrida e zelada.
- No entanto, não bastam bons pensamentos para nutrir uma cabeça. Numa sociedade agitada, líquida, em permanente transformação e tensão, conflito e renovação, a saúde mental é cada vez mais o grande desafio do sujeito enquanto ser. A saúde mental, o equilíbrio do orí nìnú, ou simplesmente do orí – porque a cabeça física é apenas a vasilha para o verdadeiro orí –, deve ser uma prioridade na vida de cada pessoa. Estima-se que em cada 100 pessoas, 30 sofram de perturbações da saúde mental, sendo as mais frequentes a ansiedade, o stress, a depressão, as dependências, e vários tipos de perturbações mais graves como a esquizofrenia.
- Para que elementos exógenos negativos (búburú) não se instalem, levando a tais doenças, é preciso cuidar permanentemente do equilíbrio do orí. Na cultura yorùbá presente ao Candomblé, tal é feito através de rituais de propiciação do orí, chamados de borí, alimentar a cabeça. Trata-se de um processo ritual de grande serenidade, onde a pessoa fica em repouso, e é oferecido alimentos ao orí nìnú. Não se trata de um ritual iniciático, mas antes uma cerimónia de apaziguamento, reequilíbrio espiritual, psicológico e emocional, a partir da sabedoria ancestral africana-yorùbá.