
Nós, CPCY, erguemos nossa voz em defesa da preservação da memória e identidade do Candomblé. Acreditamos firmemente que um povo que não conhece sua história, um povo sem memória, está fadado ao desaparecimento. Por isso, fazemos deste manifesto um chamado à valorização do Atlântico como um espaço fundamental na construção de nossa identidade e memória identitária, cultural e religiosa.
Reconhecemos o mar como o ventre sagrado de Yèmọnjá, onde ocorreu a gestação das múltiplas recriações africanas no Novo Mundo. O imenso oceano Atlântico, que banha as diversas costas americanas, testemunhou o nascimento de diferentes preservações identitárias, incluindo aquela que se tornou conhecida como Candomblé. Mesmo diante de uma condição desumana, os escravizados batizados e convertidos ao catolicismo, por meio de engenhos diversos e concessões teológicas, conseguiram manter vivas as práticas de culto aos Òrìṣà. Essas práticas se mantiveram presentes nos engenhos, nos cultos domésticos e, posteriormente, nas confrarias religiosas inspiradas no catolicismo e na recuperação do modelo das ẹ̀gbẹ́ yorùbá.
Através de negociações, concessões e intercâmbios atlânticos e terrestres de conhecimento, o Candomblé tornou-se o espaço de preservação da memória dos povos Fon, Yorùbá e Bantus. Desde a organização do culto, a criação do xirê, a estruturação da Roda de Ṣàngó até a configuração ritual e iniciática, uma intensa negociação diplomática ocorreu entre os africanos. Esse processo histórico de longo prazo foi particularmente significativo nas terras africanas, especialmente no Golfo do Benim.
No entanto, os africanos não enfrentaram apenas negociações internas para a estruturação desse culto. Essa tarefa monumental foi, talvez, a mais fácil. O maior desafio foi enfrentar a escravidão, o racismo biológico e evolucionista, a perseguição e a proibição do culto ao longo de quase 200 anos de história do Candomblé.
Em respeito a todo o longo histórico de perseguição, desumanização, proibição e destruição de templos, altares e objetos sagrados, defendemos a importância de valorizar a memória do sofrimento – Ìrántí Ijìyà – que não deve ser esquecida, assim como os judeus não esquecem o Holocausto nazista.
Em segundo lugar, advogamos o respeito à memória ritual, aos fundadores e figuras determinantes da história do Candomblé. Portanto, defendemos que todos os terreiros transmitam a memória religiosa candomblecista aos seus iniciados, não apenas ensinando os toques e
as danças, mas também explicando seus significados. É crucial que contem a história do nosso povo e destaquem as figuras que permitiram a constituição e sobrevivência do Candomblé, aqueles que deram contribuições rituais decisivas.
No ciclo do tempo africano, retornamos ao início deste manifesto, lembrando a todos que um povo que não conhece sua história, um povo sem memória, está destinado ao desaparecimento. Não podemos permitir que nossa identidade, nossas crenças e nossa cultura sejam apagadas pela passagem dos séculos. É nosso dever honrar aqueles que vieram antes de nós, que enfrentaram adversidades inimagináveis para preservar nossa herança sagrada.
Portanto, unidos como membros da CPCY, levantamos nossa voz em defesa da preservação da memória e identidade do Candomblé. Instamos a todos os praticantes, iniciados e seguidores a abraçarem essa missão com afinco. Vamos valorizar cada aspecto de nossa tradição, desde os rituais mais simples até as histórias mais complexas. Vamos transmitir o conhecimento aos futuros líderes, garantindo que a memória do Candomblé continue viva e floresça em cada terreiro.
Nossa luta não é apenas pela sobrevivência do Candomblé, mas também pela afirmação de nossa existência e nossa contribuição para a riqueza cultural da humanidade. Não permitiremos que a história seja apagada, que a memória seja esquecida. Juntos, honraremos nossos ancestrais, celebraremos nossa identidade e garantiremos que o Candomblé permaneça como uma luz brilhante, um farol de resiliência e sabedoria para as gerações vindouras.
Que cada batida dos tambores, cada cântico entoado e cada dança executada seja uma ode à nossa história, um lembrete constante de nossa força e uma promessa de que nunca deixaremos nossa memória desaparecer.
Pela preservação da memória e identidade do Candomblé!